A segunda parte de uma sequência de crônicas sobre a realidade da Covid-19 em Rondonópolis
Interessante notar que, na sua ação civil pública propondo o isolamento horizontal, o Ministério Público Estadual traz à lume a Lei Federal nº 13.979, de 06/02/2020, especialmente o artigo 3º, §1º, para destacar que a autoridade municipal deve estar respaldadas por evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde, o que aparentemente não é a base das decisões do poder executivo de Rondonópolis, o que sugere 1) o Comitê de Gestão de Crises não está atuando como deveria para a função especial que motivou a sua constituição ou 2) o Poder Executivo Municipal ignora o aconselhamento do Comitê. Num ou noutro, estamos à deriva.
A notória carência de serviços de saúde e de atenção básica, e a preparação de novos leitos de UTI’s, mencionadas na ação civil pública do Ministério Público Estadual, poderiam ter sido há tempo planejadas, implementadas, e, sobretudo minimizadas, se impulsionadas pelo aconselhamento do Comitê de Gestão de Crises, e, dinheiro para isso, ao que tudo indica, não deveria faltar, pois as portas do cofre estavam (e ainda estão) completamente abertas, além do que o baú do tesouro público municipal continua sendo encorpado dia a dia.
O estudo epidemiológico contínuo para o nortear as análises sobre as informações estratégicas em saúde, a partir de evidências cientificas nacionais, regionais e locais, também poderia ter sido diligenciado desde o primeiro momento pelo Comitê de Gestão de Crises, mas parece não traduzir uma providência útil ou relevante, porquanto a Secretaria Municipal de Saúde informou ao Ministério Público Federal, no oficio nº 526/GAB/SMS/2020 (de 28/04/2020), um documento oficial assinado pela responsável da pasta, que não sabe calcular a repercussão de irradiação do vírus, que não sabe ao certo o nível de contágio, que não fez nenhum estudo epidemiológico para identificar os principais meios de contaminação ou para saber o número real de casos e a projeção de novos quadros infecciosos, e, principalmente, para que fosse possível aferir o impacto dos isolamento vertical e ou horizontal. O que mudou desde o oficio nº 526 até agora? Aparentemente nada, a propósito das ações civis públicas propostas na Justiça Federal e na Justiça Estadual para o isolamento horizontal.
Esse é um outro ponto que preocupa: a falta de planejamento, de articulação, de sincronicidade e de mínima organização entre as autoridades (do executivo, de saúde, do ministério público e até do judiciário), ainda que todas num esforço bem intencionado. O artigo 6º, da Lei nº 13.979, de 06/02/2020, o artigo 2º do Decreto nº 10.282, de 20/03/2020, o artigo 3º da Portaria nº 188, de 03/02/2020, do Ministério da Saúde, e o artigo 3º, II, do Decreto Municipal nº 9.480/2020, que determinam a articulação entre os Poderes e as autoridades, não foram percebidos. Cada um faz o que quer, como quer, como acha que deve, a hora que quer, sem a preocupação de entendimento ou diálogo útil com e entre os gestores e ou autoridades.
E um exemplo disso, dessa dissonância, são exatamente as duas ações civis públicas, sobre o mesmo fato e com parecidíssimas pretensões de isolamento horizontal, a primeira do Ministério Público Federal, perante a 1ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de Rondonópolis, processo nº 1001564-89.2020.4.01.3602 (cujo pedido liminar ainda não apreciado), e a segunda do Ministério Público Estadual, perante o Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Rondonópolis, processo nº 1010541-88.2020.8.11.0003 (com o indeferimento da tutela de urgência. Com todo o meu respeito e admiração aos representantes do Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual, mas esse tipo de fragmentação não ajuda. Para além do risco de decisões conflitantes (ou contraditórias) de duas diferentes esferas do Judiciário sobre o mesmo tema, ainda contribuem para aumentar o clima de tensão, a sensação de insegurança jurídica e a percepção de instabilidade institucional.
Em verdade, e, repito, como todo o meu respeito e partilhado reconhecimento ao movimento assertivo de aplicar-se para a solução, os quadros de traços semiplenos, tingidos com matizes opacas pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público Estadual nas respectivas ações civis públicas, permitem concluir apenas que o Poder Executivo Municipal e o Comitê de Gestão de Crises adotam o método Thorndike (Edward Lee Thorndike), de aprendizagem por tentativa e erro, autorizando – ou não impedindo – o gestor público de gastar às turras, no escuro e sem eficiência, ao mesmo tempo que edita “determinações” impensadas e não integradas, que servem apenas para provocar o caos econômico, sem resolver em absolutamente nada as questões de saúde e ou de controle da contaminação viral. O silêncio dos órgãos fiscalizadores de contas também preocupa, da Câmara de Vereadores e do Tribunal de Contas do Estado, principalmente.
Aguarde a sequência da crônica “Eu também vou reclamar”, nas redes sociais da Entidade ou pelo aplicativo Acir.
>>> Capítulo final Eu também vou reclamar: Economia, recessão ou depressão?